SOBRE FREDERICO OZANAM



Estamos próximos de comemorar o bicentenário do Beato Frederico ozanam.
 Encontrei estes documentos e percebi que podem ser úteis ao leitor.
O exemplo do jovem Ozanam pode ajudar outros jovens a darem um 
sentido à sua vida, servir aos mais pobres por um amor desinteressado.

Frederico Ozanam
(1813-1853) 
Frederico Ozanam nasceu a 23 de Abril de 1813, em Milão (Itália). Filho de Jean-Antoine, médico prestigioso, cuja fama profissional não o impedia de assistir doentes indigentes, com o mesmo cuidado e afabilidade reservados aos pacientes da alta condição social, e de Marie Ozanam, também dedicada à assistência dos pobres e enfermos. Frederico respira desde o nascimento o profundo espírito de caridade compartilhado pelos seus pais.
Depois de uma infância muito protegida em Lião, Frederico entra no colégio em 1822 para começar os estudos secundários. Estudante brilhante e leitor insaciável, aos 17 anos conhece várias línguas: grego, latim, italiano e alemão, e inicia um curso de hebraico e sânscrito. De espírito sensível e preocupado, é apaixonado pelo estudo da Filosofia, consumindo-se com frequência numa investigação existencial e espiritual, que jamais abandonará.
Em 1831, Frederico, erudito jovem de província, chega a Paris para estudar na Sorbona. Em pouco tempo converte-se num assíduo frequentador dos ambientes intelectuais (entre os quais o salão de Madame Récamier) e começa a colaborar com jornais e revistas. Apesar da sua timidez e do comportamento simples, emergem com clareza tanto a sua profunda humanidade como o seu rigor moral: a sua imensa cultura, as suas opiniões atualizadas e o seu catolicismo empenhado tornam-no rapidamente uma personalidade relevante. Frederico dedica a sua formidável eloquência a moderar os debates sobre religião e política, num círculo literário estudantil chamado “Conferência de história”, do qual é porta-voz. Certa tarde, depois de sair vencedor de um debate com um estudante socialista sobre o compromisso social dos católicos, anuncia a um amigo a intenção de realizar finalmente um projeto, que há tempo lhe era muito querido: uma “Conferência de caridade”, uma associação de beneficência para a assistência dos pobres, “a fim de pôr em prática o nosso catolicismo”.
Desta maneira, em Maio de 1833, com apenas 20 anos, Frederico funda, juntamente com seis companheiros, as Conferências de São Vicente de Paulo: “na época borrascosa em que nos encontramos, escreve ao seu amigo Ferdinand Velay, é bonito assistir à formação, acima de todos os sistemas políticos e filosóficos, de um grupo compacto de homens decididos a usar todos os seus direitos como cidadãos, toda a sua influência, todos os seus estudos profissionais, para honrar o catolicismo em tempos de paz e defendê-lo em tempos de guerra”. Nenhum dos seus jovens fundadores podia imaginar o desenvolvimento que alcançaria esta pequena Sociedade benéfica, à qual Frederico se dedicaria, daí por diante, sem jamais poupar esforços.
Doutor em Direito (1836) e depois em Letras (1839), Ozanam inicia uma brilhante carreira universitária que o levará, em 1844, a tornar-se o titular da cátedra de Literatura Estrangeira na Universidade da Sorbona e a viver sem reservas a sua profunda vocação ao magistério.
Em 1841 casa-se com a jovem Amélie Soulacroix. Frederico Ozanam é, portanto, um homem profundamente inserido no seu tempo. Marido e pai, professor e literato, leigo comprometido, vive as diferentes dimensões da sua existência, com a mesma paixão e generosidade: vai pessoalmente aos bairros pobres de Paris e de outras cidades, promove a expansão das Conferências vicentinas no mundo, publica escritos históricos e literários, luta pela liberdade civil, política e religiosa, sofrendo pelos contrastes que dividem o mundo católico em facções políticas opostas, e tendo um coração cheio de ternura para com Amélie e Marie, sua filha. O seu caminho espiritual, sempre atormentado, conhece altos e baixos: Frederico julga não fazer o suficiente, e pede ao Senhor que o ajude a ser melhor, luta contra o orgulho até se esquecer do próprio valor.
Os primeiros sintomas do que seria uma grave infecção renal, confundida com uma enfermidade pulmonar, que o levaria lenta e dolorosamente a uma morte prematura, chegam-lhe de surpresa em 1846. Na tentativa de recuperar a saúde, Frederico passa algum tempo com a família na Itália, e é recebido em audiência por Pio IX. De retorno a Paris, Ozanam continua a dedicar-se, de corpo e alma, ao serviço dos seus alunos, ao jornal “Ere nouvelle”, com o qual colaborou na sua fundação, aos pobres e aos trabalhadores.
A revolução de 1848 e o feroz debate no mundo político e católico só tornarão piores as suas condições de saúde. Em 1849, depois de ter sofrido um segundo ataque agudo do mal que o estava minando, Frederico começa a estar consciente do triste pressentimento. As suas atividades continuam de modo frenético. O seu anseio de conhecer e de participar leva-o a ignorar a dor física e, por vezes, até mesmo os conselhos dos médicos. Em Maio de 1853, de novo na Itália por motivo de saúde, a braços com a angústia de em breve ter que deixar os seus entes queridos, os sucessos profissionais e os debates políticos, mas pronto ao sacrifício, dirige-se a Deus: “Senhor, quero o que Tu queres, quero como o queres e por todo o tempo que o quiseres, quero-o porque Tu o queres”.
Frederico Ozanam morreu na noite de 8 de Setembro de 1853, em Marselha, rodeado dos seus entes mais queridos, depois de uma agonia longa e dolorosa.
Este é o modelo de apóstolo leigo, erudito, empenhado e dedicado ao serviço dos mais pobres, que a Igreja apresenta a todos os fiéis, mas sobretudo aos jovens, durante a Missa presidida por João Paulo II, no dia 22 de Agosto, em Paris, na qual é beatificado Frederico Ozanam.
Digno de nota é o caso da cura milagrosa de uma criança brasileira, de apenas dezoito meses, afetada de uma grave forma de difteria, que nos primeiros dias de Fevereiro de 1926, em Nova Friburgo (RJ), obteve a graça por intercessão do Servo de Deus Frederico Ozanam. Esta cura foi reconhecida pela Junta médica da Congregação para as Causas dos Santos a 22 de Junho de 1995, e confirmada de modo unânime pelos Consultores teólogos, na reunião de 24 de Novembro do mesmo ano. 


HOMILIA DO SANTO PADRE 
DURANTE A MISSA DE BEATIFICAÇÃO 
DE FREDERICO OZANAM
Catedral de Notre-Dame, 22 de Agosto de 1997 
1. “O amor vem de Deus” (1 Jo 4, 7). O Evangelho deste dia apresenta-nos a figura do bom Samaritano. Mediante esta parábola, Cristo quer mostrar aos Seus ouvintes quem é o próximo citado no maior mandamento da Lei divina: “Amarás ao Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10, 27). Um doutor da Lei perguntava o que devia fazer para ter parte na vida eterna; encontrara nestas palavras a resposta decisiva. Sabia que o amor de Deus e do próximo é o primeiro e o maior dos mandamentos. Apesar disso, pergunta: “Quem é o meu próximo?” (Lc 10, 29).
O fato de Jesus propor um Samaritano, como exemplo para responder a esta pergunta, é significativo. Com efeito, os Samaritanos não eram particularmente estimados pelos Hebreus. Além disso, Cristo compara a conduta deste homem àquela de um sacerdote e de um levita, que viram o homem ferido pelos salteadores e deixado meio morto na estrada, e continuaram a sua caminhada sem lhe prestar socorro. Ao contrário o Samaritano, que ao ver o homem sofredor, “encheu-se de piedade” (Lc 10, 33); a sua compaixão levou-o a uma série de ações. Em primeiro lugar ligou-lhe as feridas, depois levou-o para uma estalagem a fim de que cuidassem dele; e, antes de partir, deu ao estalajadeiro o dinheiro necessário para se ocupar do ferido (cf. Lc 10, 34-35). O exemplo é eloquente. O doutor da Lei recebe uma resposta clara à sua pergunta: quem é o meu próximo? O próximo é todo o ser humano, sem exceção. É inútil perguntar sobre a sua nacionalidade, a sua pertença social ou religiosa. Se está em necessidade, é preciso ir ajudá- lo. É isto que pede a primeira e a maior Lei divina, a lei do amor de Deus e do próximo.
Fiel a este mandamento do Senhor, Frederico Ozanam acreditou no amor, no amor que Deus tem por todos os homens. Ele mesmo se sentiu chamado a amar, dando o exemplo de um grande amor de Deus e dos outros. Ia ao encontro de todos os que tinham mais necessidade de ser amados daqueles a quem Deus-Amor não podia ser efetivamente revelado senão pelo amor duma outra pessoa. Ozanam descobriu nisto a sua vocação, viu o caminho para o qual Cristo o chamava. Encontrou nisto o seu caminho rumo à santidade. E percorreu- o com determinação.
2. “O amor vem de Deus”. O amor do homem tem a sua fonte na Lei de Deus; a primeira leitura do Antigo Testamento demonstra-o. Nela encontramos uma descrição pormenorizada dos atos do amor ao próximo. É como que uma preparação bíblica para a parábola do bom Samaritano.
A segunda leitura, tirada da primeira Carta de São João, desenvolve o que significa a palavra “o amor vem de Deus”. O Apóstolo escreve aos seus discípulos: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece-O. Aquele que não ama, não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8). Esta palavra do Apóstolo constitui verdadeiramente o centro da Revelação, o ápice para o qual nos conduz tudo o que foi escrito nos Evangelhos e nas Cartas apostólicas. São João prossegue: “Nisto consiste o Seu amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (ibid., 10). A remissão dos pecados manifesta o amor que por nós tem o Filho de Deus feito homem. Então, o amor do próximo, o amor do homem, já não é apenas um mandamento. É uma exigência que deriva da experiência vivida do amor de Deus. Eis por que João pode escrever: “Se Deus nos amou assim, também nos devemos amar uns aos outros” (1 Jo 4, 11).
O ensinamento da Carta de João prolonga- se; o Apóstolo escreve: “Ninguém jamais viu a Deus; se nos amarmos uns aos outros, Deus está em nós e o Seu amor é perfeito em nós. Nisto conhecemos que estamos n’Ele e Ele em nós, porquanto nos deu o Seu Espírito” (1 Jo 4, 12-13). O amor é então a fonte do conhecimento. Se, por um lado, o conhecimento é uma condição do amor, por outro, o amor faz aumentar o conhecimento. Se permanecermos no amor, temos a certeza da ação do Espírito Santo que nos faz participar no amor redentor do Filho, que o Pai enviou para a salvação do mundo. Ao reconhecermos Cristo como Filho de Deus, permanecemos n’Ele e, por Ele, permanecemos em Deus. Pelos méritos de Cristo, acreditamos no amor, conhecemos o amor que Deus tem por nós, sabemos que Deus é amor (cf. 1 Jo 4, 16). Este conhecimento mediante o amor é de algum modo o elemento essencial da vida espiritual do cristão. “Quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele” (ibid.).
3. No contexto da Jornada Mundial da Juventude, que este ano tem lugar em Paris, procedo hoje à beatificação de Frederico Ozanam. Saúdo cordialmente o Senhor Cardeal Jean-Marie Lustiger, Arcebispo de Paris, cidade onde se encontra o túmulo do novo Beato. Alegro-me também com a presença neste evento de Cardeais e de Bispos de numerosos países. Saúdo com afeto os membros da Sociedade de São Vicente de Paulo, que do mundo inteiro vieram para a beatificação do seu principal fundador, assim como os representantes da grande família espiritual herdeira do espírito de São Vicente. Os vínculos entre vicentinos foram privilegiados desde as origens da Sociedade, pois foi uma Filha da Caridade, Irmã Rosalie Rendu, quem guiou o jovem Frederico Ozanam e os seus companheiros rumo aos pobres do bairro Mouffetard, em Paris. Caros discípulos de São Vicente de Paulo, encorajo- vos a pôr em comum as vossas forças para que, como desejava o vosso inspirador, os pobres sejam cada vez mais amados e servidos e Jesus Cristo, honrado nas suas pessoas!
4. Frederico Ozanam amava todos os necessitados. Desde a sua juventude, tomou consciência de que não bastava falar da caridade e da missão da Igreja no mundo: isto devia traduzir-se num empenho efetivo dos cristãos no serviço dos pobres. Estava assim em sintonia com a intuição de São Vicente: ”Amemos a Deus, meus irmãos, amemos a Deus, mas que isto aconteça com os nossos braços e com o suor do nosso rosto” (São Vicente de Paulo, XI, 40). Para o manifestar de maneira concreta, com a idade de vinte e cinco anos, com um grupo de amigos, criou as Conferências de São Vicente de Paulo, cuja finalidade era a ajuda aos mais pobres, num espírito de serviço e de partilha. Bem depressa, estas Conferências difundiram-se fora da França, em todos os países da Europa e do mundo. Eu mesmo, como estudante, antes da segunda guerra mundial, fiz parte de uma delas.
O amor pelos mais miseráveis, por aqueles de quem ninguém se ocupa, já está no centro da vida e das preocupações de Frederico Ozanam. Ao falar destes homens e destas mulheres, ele escreve: “Deveríamos cair aos seus pés e dizer- lhes com o Apóstolo: “Tu es Dominus meus”. Vós sois os nossos mestres e nós seremos os vossos servidores; sois para nós as imagens sagradas deste Deus que não vemos e, não sabendo amar doutra maneira, nós O amamos nas vossas pessoas” (A Louis Janmot).
5. Ele observa a situação real dos pobres e procura um empenho cada vez mais eficaz, para os ajudar a crescer em humanidade. Compreende que a caridade deve levar a trabalhar pela reparação das injustiças. Caridade e justiça caminham a par e passo. Tem a coragem lúcida dum empenho social e político de primeiro plano numa época agitada da vida do seu país, pois nenhuma sociedade pode aceitar a miséria como uma fatalidade, sem que a sua honra não seja atingida. É assim que se pode ver nele um precursor da doutrina social da Igreja, que o Papa Leão XIII desenvolverá alguns anos mais tarde na Encíclica Rerum novarum.
Diante das pobrezas que oprimem muitos homens e mulheres, a caridade é um sinal profético do empenho do cristão no seguimento de Cristo. Convido, pois, os leigos e de modo particular os jovens a darem prova de coragem e de imaginação, a fim de trabalharem para a edificação de sociedades mais fraternas, onde os mais necessitados sejam reconhecidos na sua dignidade e encontrem os meios para uma existência respeitável. Com a humildade e a confiança incondicional na Providência, que caracterizavam Frederico Ozanam, tende a audácia da partilha dos bens materiais e espirituais com aqueles que estão na miséria!
6. O Beato Frederico Ozanam, apóstolo da caridade, esposo e pai de família exemplar, grande figura do laicado católico do século XIX, foi um universitário que assumiu uma parte importante no movimento das ideias do seu tempo. Estudante, professor eminente primeiro em Lião e depois em Paris, na Sorbona, teve em vista antes de tudo a investigação e a comunicação da verdade, na serenidade e no respeito das convicções daqueles que não partilhavam as suas. “Aprendamos a defender as nossas convicções sem odiar os nossos adversários, escrevia ele, a amar aqueles que pensam diversamente de nós [...] lamentemo-nos menos dos nossos tempos e mais de nós mesmos” (Cartas, 9 de Abril de 1851). Com a coragem do crente, denunciando todos os egoísmos, ele participa ativamente na renovação da presença e da ação da Igreja na sociedade da sua época. Conhece-se também o seu papel na instituição das Conferências da Quaresma nesta catedral de Notre- Dame de Paris, com o objetivo de permitir aos jovens receber um ensinamento religioso renovado, ante as grandes questões que lhes interrogam a fé. Homem de pensamento e de ação, Frederico Ozanam continua a ser para os universitários do nosso tempo, professores e estudantes, um modelo de empenho corajoso capaz de fazer ouvir uma palavra livre e exigente, na busca da verdade e na defesa da dignidade de toda a pessoa humana. Que seja também para eles um apelo à santidade!
7. A Igreja confirma hoje a escolha de vida cristã feita por Ozanam, assim como o caminho que assumiu. Ela diz-lhe: Frederico, o teu caminho foi deveras a via da santidade. Passaram mais de cem anos, e eis o momento oportuno para redescobrir este caminho. É preciso que todos estes jovens, mais ou menos da tua idade, reunidos em tão grande número em Paris, provenientes de todos os Países da Europa e do mundo, reconheçam que esta estrada é também deles. É preciso que compreendam que, se quiserem ser cristãos autênticos, devem empreender este mesmo caminho. Oxalá abram melhor os olhos da própria alma às necessidades tão numerosas dos homens de hoje. Compreendam estas necessidades como desafios. Cristo chama- os, cada um pelo seu nome, a fim de que cada um possa dizer: eis o meu caminho! Nas opções que fizerem, a tua santidade, Frederico, será confirmada de modo particular. E grande será a tua alegria. Tu, que já vês com os teus olhos Aquele que é o amor, sê também um guia em todos os caminhos que estes jovens vão escolher, seguindo hoje o teu exemplo! 







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