SOBRE A REFORMA DE LUTERO
Um grande mal para a cristandade
Revolução Protestante - 500 Anos
Revolução Protestante - 500 Anos
Por Cardeal G. Muller
Há uma grande
confusão hoje em dia no que diz respeito à figura de Lutero, e convém deixar
claro que, do ponto de vista da teologia dogmática e da doutrina da Igreja, ele
foi responsável, não por uma reforma, mas por uma revolução, isto é, uma
mudança total dos fundamentos da fé católica. Tampouco seria realista afirmar
que sua intenção tenha sido apenas a de lutar contras alguns abusos no uso das
indulgências ou contra os pecados da Igreja da Renascença. Abusos e pecados,
sempre os houve dentro da Igreja, não só durante o Renascimento, mas ainda nos
dias de hoje. Constituímos a Santa Igreja em virtude da graça de Deus e dos
sacramentos, mas todos os homens pertencentes a ela são pecadores, todos precisam
de perdão, de arrependimento, de penitência.
Não podemos aceitar
que a reforma de Lutero seja entendida como uma reforma da Igreja, em sentido
católico.
Esta distinção é
muito importante. Em seu livro de 1520, De Captivitate Babylonica Ecclesiæ,
aparece com absoluta clareza que Lutero renunciou a todos os princípios da fé
católica, da Sagrada Escritura, da Tradição apostólica, do magistério do Papa e
dos Concílios, do episcopado. Nesse sentido, Lutero destruiu o conceito de
desenvolvimento homogêneo da doutrina cristã, tal como explicado na Idade
Média, e chegou a negar os sacramentos como sinais eficazes da graça neles
contida, substituindo essa eficácia objetiva por uma fé subjetiva. Lutero
aboliu cinco sacramentos e, além disso, negou a Eucaristia: o seu caráter
sacrificial e a conversão real da substância do pão e do vinho no Corpo e
Sangue de Jesus Cristo. E não só isso. Afirmou que o sacramento da ordem, tanto
episcopal quanto presbiteral, é uma invenção do Papa — para ele, o Anticristo
—, e não parte da Igreja de Jesus Cristo. Nós, porém, cremos que a hierarquia
sacramental, em comunhão com o sucessor de Pedro, é um elemento essencial da
Igreja Católica, e não apenas o princípio de uma organização humana.
É por isso que não
podemos aceitar que a reforma de Lutero seja entendida como uma reforma da
Igreja, em sentido católico. Só é católica a reforma que significa uma
renovação na graça e nos costumes da fé de sempre, uma renovação espiritual e
moral dos cristãos, e não uma “refundação”, uma “nova” Igreja.
É, portanto,
inaceitável afirmar que a reforma de Lutero tenha sido “um evento do Espírito
Santo”. Ao contrário, foi algo contra ele, pois o Espírito Santo auxilia a
Igreja a preservar sua continuidade por meio do Magistério eclesiástico,
sobretudo pelo serviço do ministério petrino. Foi apenas sobre Pedro que Jesus
fundou sua Igreja (cf. Mt 16, 18), a qual é “a Igreja do Deus vivo, coluna e
sustentáculo da verdade” (1Tm 3, 15). O Espírito Santo não se contradiz a si
mesmo.
São muitas as vozes
que se levantam, entusiasmadas, para falar de Lutero, mas desconhecendo qual
foi exatamente a sua teologia, a sua polêmica e as drásticas consequências de
um movimento que representou a destruição da unidade de milhões de cristãos com
relação à Igreja Católica. Podemos avaliar de modo positivo a sua boa vontade,
sua explicação lúcida dos mistérios da fé comum, mas não suas investidas contra
a fé católica, sobretudo no que se refere aos sacramentos e à estrutura
hierárquico-apostólica da Igreja.
Também não é correto
afirmar que Lutero teve inicialmente boas intenções, como se o responsável por
seu desvio tenha sido a postura rígida da Igreja. Isso não é verdade. Com
efeito, Lutero pretendia combater, sim, o comércio de indulgências, devido, não
às indulgências em si mesmas, mas enquanto elemento do sacramento da
Penitência.
Jesus mesmo fundou
a sua Igreja e a protege na transmissão da fé e da graça sacramental através do
Espírito Santo.
Tampouco é verdade
que a Igreja se tenha recusado a dialogar. Depois de sua disputa com John Eck,
Lutero teve a chance de falar ao Cardeal Caetano, enviado pelo Papa a título de
legado. Podem-se discutir modos e procedimento; mas, quando se trata da
substância mesma da doutrina, é preciso reconhecer que a autoridade da Igreja
não cometeu erro algum. Do contrário, dever-se-ia sustentar que a Igreja pôde
ter ensinado erros quanto à fé ao longo de dois mil anos, quando sabemos — e
este é um elemento essencial da doutrina — que a Igreja não pode errar na
transmissão da salvação mediante os sacramentos.
Não se devem
confundir erros pessoais, os pecados dos membros da Igreja, com erros na
doutrina e nos sacramentos. Quem assim pensa, crê que a Igreja é somente uma
organização feita de homens e nega o princípio segundo o qual Jesus mesmo fundou
a sua Igreja e a protege na transmissão da fé e da graça sacramental através do
Espírito Santo. A Igreja não é uma organização meramente humana; é o próprio
Corpo de Cristo, onde existe a infalibilidade conciliar e papal de um modo
precisamente definido. Todos os Concílios se referem à infalibilidade do
Magistério quanto à definição da fé católica. Em meio à confusão atual, há
muitos que pretendem solapar a realidade: dizem que o Papa é infalível quando
fala em privado, ao mesmo tempo em que dizem ser falíveis os Papas que
propuseram publicamente a fé católica ao longo da história.
Sim, já se passaram
500 anos. Não é mais tempo de polêmica, mas de entendimento e reconciliação.
Mas não à custa da verdade. Não se deve agravar a confusão. Ora, se devemos,
por um lado, reconhecer a eficácia do Espírito Santo nos cristãos não-católicos
de boa vontade, que não cometeram pessoalmente esse pecado de ruptura com a
Igreja, não podemos, por outro, alterar a história do que se passou há 500
anos. Uma coisa é o desejo de manter boas relações com os cristãos
não-católicos de hoje, a fim de os aproximar da plena comunhão com a hierarquia
católica e com a aceitação da Tradição apostólica segundo a doutrina da Igreja;
outra coisa é a incompreensão ou a falsificação do que ocorreu 500 anos atrás e
do impacto desastroso que se lhe seguiu. Impacto, aliás, contrário à vontade de
Deus: “Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti,
para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,
21).
Disponível em: http://paroquiasaoconradorj.blogspot.com.br/2017/11/revolucao-protestante-500-anos.html, on-line aos 03/11/17, às 18:48h.
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